domingo, 19 de setembro de 2010

Três Botões.

13 de março de 1994


Eu olhava a janela, era como o inverno, um frio de congelar os ossos, era verão, ventava-se muito lá fora. Árvores caiam, ouvia se muito sobre a crise Americana, Fernando Henrique Cardoso com promessas de acabar com a inflação, sobre o fim da agua potável no mundo. Nada disso me interessava.


Acreditem ou não, eu só queria estar ali olhando a chuva com aquele gosto amargo de café sem açúcar na boca, é como minha vida sempre foi, eu refletia: - é... Amarga –disse a mim mesmo. Meu tocador de disco está a tocar Chopin o Nocturno op.9 era o que faltava naquele momento para me afundar, me afogar, me puxar para baixo. Era isso o que eu desejava, ser puxado para baixo.


Podia descrever tudo aquilo que eu estava sentindo, aquele sentimento melancólico que me possuía – Coloquei meu cigarro na boca, era um prazer intimo tragar o cigarro no frio ali presente, e sentir aquele ar quente sair de meus pulmões expressando alivio.


Não era o bastante, quero sair. –Não sei se o desejo realmente é meu ou Chopin acelerando a musica. -Quero sair, -Quero sair –repito.


Estou a menos de três metros de casa, ainda chove, não queria ir para longe. Além disso, só sentir a chuva cair sobre minhas costas nuas, era o que meu intimo desejava. Foi então que abaixei na calçada imunda, cheia de lama.


Um cachorro com sarna me cheira, mas continuo ali imóvel, -É dizem que a chuva lava a alma – Hey, Jude, don't make it bad, take a sad sooong. Agora é Beatles que faz minha trilha sonora, vem do vizinho imagino.


-Sai dai moleque.


-Escutei porem, o ignoro ninguém vai tirar esse meu momento de vida, em que me sinto vivo.


-Não tá ouvindo moleque?! Sai, Sai!


-Hey, Jude don’t be afraid, you were made to go out and get he – A música continua.


Olho para trás, há um homem de terno de três botões de cor negra com uma gravata rosada. Ele insiste em me olhar. Três botões... Marco a lama com três bolinhas, três botões imagino. Nada vai me tirar dessa calçada - Repito a mim mesmo.


O homem tira o paletó e o coloca no chão e ao meu lado, ele senta. Sua blusa branca está encharcada e transparente, o observo pelo canto do olho, consigo ver seu corpo, vejo a água escorrendo sobre sua pele, seu rosto severo agora encharcado.


And anytime you feel the pain, hey, Jude, refrain – agora são dois, sentados numa calçada ouvindo beatles . Tinha uma coisa ali forte me chamando


-Você tem um cigarro? –pergunto.


Ninguém diz nada. E ali permanecemos, na chuva.


(...)


Sempre fui romântico. Sempre desejei viver uma historia de amor –penso- será que elas sempre me aparecem, e eu tive medo? Agora sento de costas a minha porta da frente, alongo meus pés, respiro baixinho e assustado.


Na na na na na na na na hey jude! (A musica aparenta estar acabando.)

2 comentários:

Anônimo disse...

Sempre fui romântico. Sempre desejei viver uma historia de amor –penso- será que elas sempre me aparecem, e eu tive medo? ##é verdade tenho medo.

Zopada disse...

Conheço esse sentimento melancolico, vindo junto com uma desistencia do amor, da vida, de tudo. Momentos que a coisa que você mais quer é ficar imobilizado, deitado, jogado, só você e seus pensamentos, filosofando, escrevendo ou delirando sozinho. É ruim, e prazeroso -na minha opnião masoquista.
Enfim, adorei a sua forma de escrever, bem profundar, e a forma como você descreve as sensações, a desistencia, a melancolia, é maravilhosa. Adorei esse texto, e adorei seu blog... Pode ter certeza que sempre virei visitar aqui ;)